CARTA ENCÍCLICA
SACERDOTII NOSTRI PRIMORDIA
DO SUMO PONTÍFICE
PAPA JOÃO XXIII
AOS VENERÁVEIS IRMÃOS PATRIARCAS,
PRIMAZES, ARCEBISPOS, BISPOS
E OUTROS ORDINÁRIOS DO LUGAR
EM PAZ E COMUNHÃO COM
A SÉ APOSTÓLICA
E A TODO O CLERO E FIÉIS
DO ORBE CATÓLICO
SACERDOTII NOSTRI PRIMORDIA
DO SUMO PONTÍFICE
PAPA JOÃO XXIII
AOS VENERÁVEIS IRMÃOS PATRIARCAS,
PRIMAZES, ARCEBISPOS, BISPOS
E OUTROS ORDINÁRIOS DO LUGAR
EM PAZ E COMUNHÃO COM
A SÉ APOSTÓLICA
E A TODO O CLERO E FIÉIS
DO ORBE CATÓLICO
SOBRE O SACERDÓCIO
NO CENTENÁRIO DA MORTE
DO SANTO CURA DE ARS
NO CENTENÁRIO DA MORTE
DO SANTO CURA DE ARS
PRÓLOGO
Coincidências significativas
1. As puríssimas alegrias que acompanharam copiosamente as primícias do
nosso sacerdócio estão para sempre associadas, em nossa memória, à emoção
profunda que experimentamos a 8 de janeiro de 1905 na Basílica Vaticana, por
ocasião da gloriosa Beatificação daquele humilde sacerdote da França que foi
João Maria Batista Vianney. Elevados nós mesmos ao sacerdócio havia apenas
alguns meses, fomos atraídos pela admirável figura sacerdotal que o nosso
predecessor s. Pio X, o antigo pároco de Salzano, era tão feliz em propor como
modelo a todos os pastores de almas. E, a tantos anos de distância, não podemos
evocar essa recordação sem agradecer ainda ao nosso Divino Redentor, como graça
insigne, o impulso espiritual assim impresso, desde o princípio, à nossa vida
de sacerdote.
2. Recordamos também que, no mesmo dia dessa beatificação, chegou ao nosso
conhecimento a elevação ao episcopado de Mons. Tiago Maria Radini-Tedeschi, o
grande bispo que devia, alguns dias depois, chamar-nos ao seu serviço e que foi
para nós um mestre e pai muito querido. Foi em sua companhia que, no princípio
desse ano de 1905, nos dirigimos pela primeira vez em peregrinação a Ars, a
modesta aldeia que o seu santo pároco tornou para sempre tão célebre.
3. Por nova disposição providencial, no ano em que recebíamos a plenitude
do sacerdócio, o Papa Pio XI de gloriosa memória, a 31 de maio de 1925,
procedia à solene canonização do "pobre cura de Ars". Na sua homilia,
o Pontífice comprazia-se em descrever "a frágil figura corpórea de João
Batista Vianney, a cabeça resplandecente com uma espécie de coroa branca de
longos cabelos, a face emaciada e cavada pelos jejuns, mas em que tão bem se
refletiam a inocência e santidade de um espírito tão humilde e tão suave que,
logo à primeira vista as multidões se sentiam movidas a salutares
pensamentos".[1]
Pouco depois, o mesmo Pontífice, no ano do seu jubileu sacerdotal, completava a
iniciativa já tomada por s. Pio X quanto aos párocos da França e estendia a
todo o mundo o celeste patrocínio de s. João Batista Vianney "para promover
o bem-espiritual dos párocos no mundo inteiro". [2]
4. Gostamos de lembrar, estes atos dos nossos predecessores, ligados a
tantas queridas recordações pessoais, veneráveis irmãos, neste centenário da
morte do santo cura de Ars. Com efeito, a 4 de agosto de 1859, entregava ele a
alma a Deus, consumido pelas fadigas de um excepcional ministério pastoral de
mais de quarenta anos e rodeado de unânime veneração.
5. Damos, pois, graças à divina Providência, que já por duas vezes se
dignou alegrar e iluminar as horas solenes da nossa vida sacerdotal com o
esplendor da santidade do cura de Ars, por nos oferecer de novo, desde os
primeiros tempos deste supremo pontificado, a oportunidade de celebrar a
memória tão gloriosa deste pastor de almas. Não vos surpreenderá, aliás, que,
ao dirigir-vos esta carta, o nosso espírito e o nosso coração se volvam
especialmente para os sacerdotes, nossos filhos caríssimos, a fim de os exortar
a todos instantemente - e sobretudo aos que estão empenhados no ministério
pastoral - a meditar os admiráveis exemplos de um irmão no sacerdócio, tornado
seu celeste patrono.
Ensinamentos deste centenário
6. São já numerosos os documentos pontifícios que lembram aos padres as
exigências do seu estado e os guiam no exercício do seu ministério. Para só
mencionar os mais importantes, recordamos de novo a exortação Haerent animo, [3]
de s. Pio X, que estimulou o fervor dos nossos primeiros anos sacerdotais,
a magistral Encíclica Ad Catholici Sacerdotii [4],
de Pio XI, e, entre tantos documentos e alocuções do nosso imediato predecessor
sobre o padre, a sua exortação Menti Nostrae, [5]
e também a admirável trilogia em honra do sacerdócio, que lhe foi sugerida pela
canonização de s. Pio X. [6]
Esses textos, veneráveis irmãos, são conhecidos de todos vós. Mas
consentir-nos-eis que evoquemos aqui, com a alma emocionada, o último discurso
que a morte impediu Pio
XII de pronunciar e que ficou como o extremo e solene apelo deste grande
Pontífice à santidade sacerdotal: "O caráter sacramental da ordem chancela da parte de Deus
num pacto eterno o seu amor de predileção, que exige em troca, da criatura
escolhida, a santificação... O clérigo deve ser tido como um eleito entre o povo, cumulado dos dons sobrenaturais
e participante do poder divino, numa palavra, um 'outro Cristo'... Já não
pertence a si, nem aos parentes e amigos, nem mesmo à sua pátria. Deve consumi-lo um amor
universal. Mais ainda, a caridade universal será o seu respiro, os seus pensamentos,
a vontade, os sentimentos deixam de ser seus, para serem de Cristo, que é a sua
vida".[7]
S. João Maria Vianney atrai-nos e impele-nos a todos para estes cimos da vida
sacerdotal. E nós somos felizes em convidar para tanto os padres de hoje;
porque, se conhecemos as dificuldades que eles encontram na sua vida pessoal e
nos encargos do seu ministério, e nos queixamos de que o espírito de alguns ‚
batido pelas ondas deste mundo e entibiado pelo cansaço, contudo a nossa
experiência também não ignora a fidelidade corajosa da maior parte e a devoção
espiritual dos melhores. A uns e a outros, o Senhor dirigiu, no dia da ordenação,
estas palavras de ternura: "Já não vos chamo servos, mas amigos!" [8]
Possa essa nossa carta encíclica ajudá-los a todos a perseverar e a crescer nesta amizade divina que
constitui a alegria e a força de toda a vida sacerdotal.
Finalidade da encíclica
8. Não é nosso desejo, veneráveis irmãos, abordar aqui todos os aspectos da
vida sacerdotal contemporânea; e, seguindo o exemplo de s. Pio X, "não
diremos nada que vós não saibais, nada de novo para quem quer que seja, mas
simplesmente o que a todos importa rememorar".[9]
Com efeito, ao relembrar os traços da santidade do cura de Ars, seremos levado
a pôr em relevo alguns
aspectos da vida sacerdotal, que em todos os tempos são essenciais, mas
que, nos nossos dias, tomam tal importância que julgamos ser nosso dever
apostólico insistir neles particularmente, por ocasião deste centenário.
9. A Igreja, que glorificou este padre "admirável pelo seu zelo
pastoral e seu ininterrupto desejo de oração e de penitância",[10]
tem hoje a alegria, passado um século sobre a sua morte, de o apresentar aos
padres de todo o mundo como modelo de ascese sacerdotal, de piedade, e
sobretudo de piedade eucarística, modelo enfim de zelo pastoral.
I. ASCESE SACERDOTAL
Conselhos evangélicos e santidade sacerdotal
10. Falar de s. João Maria Vianney ‚ evocar a figura de um padre
excepcionalmente mortificado que, por amor de Deus e pela conversão dos
pecadores, se privava de alimento e sono, se impunha rudes penitências e,
sobretudo, levava a renúncia de si mesmo a um grau heróico. Se é certo que
comumente não é pedido a todos os féis que sigam este caminho, a divina
Providência dispôs que nunca faltem no mundo pastores de almas que, levados
pelo Espírito Santo, não hesitem em encaminhar-se por estas vias, porque tais
homens operam com este exemplo o regresso de muitos, que se convertem da
sedução dos erros e dos vícios para o bom caminho e a prática da vida cristã! A
todos, o exemplo admirável de renúncia do cura de Ars, "severo para
consigo e bondoso para com os outros", [11]
lembra de forma eloqüente e urgente o lugar primordial da ascese na vida
sacerdotal. O nosso predecessor Pio XII, de saudosa memória, no desejo de
evitar certos equívocos, não hesitou em precisar que é falso afirmar "que
o estado clerical - justamente enquanto tal e por proceder do direito divino -
por sua natureza, ou pelo menos em virtude de um postulado da mesma, exige que
os seus membros professem os conselhos evangélicos".[12]
E o Papa conclui justamente: "O clérigo, portanto, não está ligado, por
direito divino, aos conselhos evangélicos de pobreza, castidade e
obediência".[13]
Mas seria deformar o genuíno pensamento deste Pontífice, tão cioso da santidade
dos padres, e o ensino constante da Igreja, acreditar que o padre secular é
menos chamado à perfeição do que o religioso. A realidade é totalmente diversa,
porque o exercício das
funções sacerdotais "requer uma maior santidade interior, do que aquela
exigida pelo estado religioso".[14]
E se, para atingir esta santidade de vida, a prática dos conselhos evangélicos não é imposta
ao padre em virtude do seu estado clerical, não obstante ela apresenta-se a ele e a
todos os discípulos do Senhor, como o caminho mais seguro para alcançar a desejada meta da perfeição
cristã. Aliás, para nossa grande consolação, quantos padres generosos o
compreenderam no presente, não deixando por isso de continuar nas fileiras do
clero secular e pedindo a pias associações aprovadas pela Igreja que os guiem e
sustentem nos caminhos da perfeição!
11. Convencidos de que "a grandeza do sacerdócio está na imitação de Jesus Cristo",[15]
os padres estarão, pois, mais do que nunca, atentos aos apelos do divino
Mestre: "Se alguém
quiser vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me..."
(Mt 16, 24). O santo cura d'Ars, segundo se afirma, "tinha meditado
muitas vezes estas palavras de nosso Senhor e esforçava-se por pô-las em
prática".[16]
Deus concedeu-lhe a graça de se conservar heroicamente fiel a elas; e o seu
exemplo guia-nos ainda no caminho da ascese onde ele, resplandeceu
brilhantemente pela pobreza, castidade e obediência.LER...
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